Pra gente dar vida, precisa de morrer um
pouco. É, foi desse modelo. Nasci com um sinal na testa, igual ao das
matriarcas que não eram desejadas. Nasci sob o signo da infâmia. Era,
sobretudo, pobre, muito pobre, dessas quando a tarde descansa, na hora da reunião
ao redor da mesa, quando só tinha a tapera, a esteira, sem nenhuma cadeira, o
tanto que daquele dia era possível de partilhar.
Do pouco que possuíam, como é que era costume
dizer?, - a família que come unida, permanece unida. Só faltava o tabuleiro de
quatro pernas, quiçá a comida.
Dessas pequenas porções, eles foram se
fazendo. Se faziam do mingau de farinha, açúcar e água. Do angu, quando a terra
seca, depois de tanto trabalho, deixava brotar o milho. Poderia ser uma
história de São João e seus brotos, mas não era o caso. Esse era o conto de
todos os dias, quando, apesar do minguado, estariam todos de buchos cheios.
O caso era de fome. Mas as fomes eram de
tantos e tantas eram as fomes. Fome de ouvido, de letras, de feijão, de saber, só não fome de amor ou
alegria. Mas a fome farta, ainda que a fome de um não sacie as outras. E você? Tem
fome de quê?
Eu apenas sei que não sinto fome daquilo que
nunca tive, tampouco do que vi em fotografia ou ouvi em versos. A ausência do
sabor conhecido é impossível, porque é necessário a vivência.
Pois bem, foi assim que a abracei, quando
minha aluna chegou me apertando os braços dizendo, - professora, tenho fome, -
me abrace, - preciso de um pouco de sua energia, - já não como há dois dias. Eu
a retive em meus braços e lhe dei minha memória, sabedora de que daquela
pequena morte, mortificada ela, mortificada eu, pudemos, simplesmente, viver
aquela experiência. Eu a acolhendo e lhe dando um lugar à minha mesa.
Estou farta, quisera ninguém se sentisse
assim
Nenhum comentário:
Postar um comentário