sexta-feira, 5 de maio de 2017

FARTA!!!



Pra gente dar vida, precisa de morrer um pouco. É, foi desse modelo. Nasci com um sinal na testa, igual ao das matriarcas que não eram desejadas. Nasci sob o signo da infâmia. Era, sobretudo, pobre, muito pobre, dessas quando a tarde descansa, na hora da reunião ao redor da mesa, quando só tinha a tapera, a esteira, sem nenhuma cadeira, o tanto que daquele dia era possível de partilhar.

Do pouco que possuíam, como é que era costume dizer?, - a família que come unida, permanece unida. Só faltava o tabuleiro de quatro pernas, quiçá a comida.

Dessas pequenas porções, eles foram se fazendo. Se faziam do mingau de farinha, açúcar e água. Do angu, quando a terra seca, depois de tanto trabalho, deixava brotar o milho. Poderia ser uma história de São João e seus brotos, mas não era o caso. Esse era o conto de todos os dias, quando, apesar do minguado, estariam todos de buchos cheios.

O caso era de fome. Mas as fomes eram de tantos e tantas eram as fomes. Fome de ouvido, de letras, de feijão, de saber, só não fome de amor ou alegria. Mas a fome farta, ainda que a fome de um não sacie as outras. E você? Tem fome de quê?

Eu apenas sei que não sinto fome daquilo que nunca tive, tampouco do que vi em fotografia ou ouvi em versos. A ausência do sabor conhecido é impossível, porque é necessário a vivência.

Pois bem, foi assim que a abracei, quando minha aluna chegou me apertando os braços dizendo, - professora, tenho fome, - me abrace, - preciso de um pouco de sua energia, - já não como há dois dias. Eu a retive em meus braços e lhe dei minha memória, sabedora de que daquela pequena morte, mortificada ela, mortificada eu, pudemos, simplesmente, viver aquela experiência. Eu a acolhendo e lhe dando um lugar à minha mesa.

Estou farta, quisera ninguém se sentisse assim