sexta-feira, 22 de maio de 2015

Sobre os astros




Conta a lenda que um dia chegaria aquela que leria os sinais todos, da água, da terra, do fogo e do ar, e que dessa leitura aprenderiam a ser leve, bem leve, leve na vida, leve como o pulo do gato, leve como o cheiro do bafo de chuva, leve como uma corrida desenfreada, leve, apenas leve.

Aqueles que naquela comunidade moravam, ou por lá ocupavam as suas tardes ou suas noites, experimentando o fardo dos dias mais árduos ou o frenesi dos mergulhos simultâneos, não entendiam como naquele espaço tão circunscrito e tão estéril, brotava, entre entulhos e bagulhos, as flores mais raras. Cada flor era um acontecimento em si mesmo e parecia ser o presságio da vinda dela.

Raros eram os eventos em que se reuniam todos. Raro, como um trevo de quatro folhas, raro, como um tempo não tão contínuo. Desses encontros, pouco se encontra nos registros históricos, mas isso nunca seria um problema, ou, tampouco, afetaria as memórias, pois a singularidade de tanta raridade era multiplicada em milhares de outros momentos.

Momentos como naquele dia, em que desavisados, pegaram as estradas erradas e experimentaram o suco em bolhas que explodia garganta adentro e deixava o riso solto de tão doce.

Ou como no outro, quando depois de falarem horas a fio, ninguém entendia mais nada, como se a fala de jazz, que soava como rock, que amava como uma bossa tão nova, fosse a antiga música ancestral, dos batuques, das dissonâncias e dos encontros.

Um dia, inclusive, uma delas disse, num dia que não era de fala, disse cochichando no ouvido de outro, que há muito, no dia em que ela soube da profecia, tinha ouvido outra história qualquer, que nem sabia porque aquilo dizia, mas que queria dizer baixinho, como se fosse contar o maior dos segredos, e como se aquilo fosse uma tarefa hercúlea, para ela que contava e para o outro que se engravidava do segredo ao pé do ouvido.

Quando aquela que decifrará a água, a terra, o fogo e o ar
Nos quatro elementos, decodificar
Talvez ela diga para os quatro dos quatros dos quatros de todos nós
Que a ligeireza da vida pede ritmos diferentes

Que aquele que explode e sai na frente em frente
Vem um largado, cavalgando atrás
Levando o destino adiante
Pois o fogo precisa do ar
Que leva a bandeira para o próximo, como numa
Maratona de milhares de metros

E que daí, bem dali, a terra segura os empurrões de todas as vidas
Porque a vida é sobretudo água,
Fluida, fecunda, mutável e transformadora
Ela fecunda a terra
Aplaina o fogo, condensando todo o nosso ar


Aquele que ouviu entendeu pouco, entendeu muito. Sentiu que ali estava a leitura do mundo. E já não era necessário esperar. Estava ali. E ali ficou, escutando a vontade de verdade de todos os astros.


P.S. Baseado numa história real.


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