terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Born to die


Naquela tarde quando me dei por recebe-lo, fiz da minha vida um de tudo, sabedora do curto das horas. Sabia que seria o tempo de uma garrafa de vinho de taças em par, uma tarde de jour. Claro que havia duas garrafas a mais no armário da cozinha, só não desejava que minha ansiedade pudesse ser comprovada no meu refrigerador, não com ele, que sempre se fazia tão apressado, dizendo tenho duas horas.

Também queria ser assim, apressada. Mas meu tempo era o de antigamente. Nas duas horas para ele, passava semanas inteiras a pensar, hora e meia na manicure, cinco horas de faxina no meu apartamento, duas horas na depiladora e o tempo que se gasta para se ter uma epifania sobre que lingerie usar.

Se eu narrasse a tarde toda, você poderia achar que sou afeita a esses encontros. Não é o caso. Só agora me permiti. Minhas amigas, as de longa data, sabem do que estou falando. Sabem, inclusive, que o tom dessa minha narrativa poderia ser cômico, como se apenas eu pudesse rir de mim mesma. E apenas para mim e para elas, confesso.

Confesso que naquelas duas horas, do momento em que ele tocou na minha campainha e chegou todo ligeiro, afoito numa tarde de outubro, como se só tivesse me visto em fevereiro, tive receio de que não me reconhecesse em maio, de que passasse pelo umbral da porta em julho, cruzasse a ante sala em agosto e deitasse na minha cama em setembro, tivesse finda as duas horas em novembro, quando o tempo se revelasse o de um ano inteiro.

Ije, disse, enquanto ele estava sentado no meu sofá de algodão e passava uma mão por entre os seus cabelos, enquanto a outra ocupava de segura-lo pelo queixo. Escolhi essa calcinha para você.

Ele rapidamente se refez. Deu mais um gole no vinho ainda frio. E me olhou profundamente, enquanto dizia, nunca a vi tão bela, tão bela. Quero beijá-la até sentir seus lábios tremerem, como se ali fosse um rosto, afogueado, de todo ardente, quando me disse infinitos ardores e me declamou todos os fervores.

Seria assim minha narrativa, se fosse por acaso publiciza-la.
Mais do momento em que disse ije, depois da ante sala, no som de Born to die, que comprei a duras penas, retruquei como se soubesse inglês,


Keep making me laugh
Let's go get high
Road's long, we carry on
Try to have fun in the meantime.

Ele nem ao menos ouviu ou me ouviu. Tampouco sabia inglês. Mas não era de todo despido de sabedoria. Sob o fundo inglês, o algodão, a fábrica, riu gostoso e indagou sobre o tempo, sobre as dobras, sobre as intensidades, fazendo do vinho e da música o que nem eu sabia ser capaz.

Pegou no nude da minha roupa intima e fez milhões de tricôs. Desse tricô, que brincou como se fossem pelos púbicos, fez tranças. Das tranças que teceu, fez cordas, que debaixo para cima, ia escalando, com se seus dentes a fincar as minhas coxas, fosse a melhor aplicação do dry looling.

Enquanto ele falava com minha lingerie, já desfigurada, posta de lado, disse para ela, como ela era úmida, gostosa, farta, intumescida na mão e na boca, como uma verdadeira buceta devia ser.


Eu não sei o que sentir, nem ao menos o que dizer as minhas amigas. Senti que naquele momento em que ele fez um monologo com ela, falava a mim e a todas depois de mim, mais que eu queria que fosse sobretudo a mim. E como eu odiei as que vieram depois de mim, odeie apenas, naquele momento único, em que ele me beijou como se fosse a única buceta possível de tanta sede, como se minha buceta o fartasse e não fosse tudo.

E, talvez, numa tarde qualquer, quando eu quiser fuder, ligue pra ele, e diga, você tem duas horas, venha e me coma, nem fale muito, só tenho duas horas. E estou sem lingerie.




Da ultima vez que publiquei, meu filho disse, pra um conto, você escreve muito pouco, pra isso é excesso. E assim...