quinta-feira, 31 de julho de 2014

Teresinha


Teresinha phoda, para os íntimos, bem íntimos. Fazia tempo que não sentia a chamada. Não que o relógio tivesse parado, apenas ela não via mais o tique-taque das passagens, ocupada que estava arrumando a casa, o tio, a conta, o carro, o trabalho... Ninguém diria que Teresinha não phodia mais, parecia a única das mulheres que poderia rir da demanda medonha dos dias ordinários, dando conta de tudo e de todos. Eram muitos os seus agregados. Ora corria para acudir um, ora para socorrer outro. Sem perder a poesia ou a maestria, como se ela fosse uma mangueira frondosa, ofertando frutos e sombras para os que tinham fome e os que tinham calor. 

         Arvorejada, suculenta, preciosa em tempos de calor, também era especial nos dias de chuva, pois a quentura de seus braços era felpuda como um cobertor de 300 fios de algodão.

Nunca faltava um rasgar sorridente em seu rosto, anguloso, leitoso, alvo como as bonecas dos filmes de terror. Tanta alvura fazia desconfiar das origens que dizia ter, filha de cigana com um sarará. Provavelmente daí viesse o negrume de seus cabelos, soltos, pesados, ondulando sempre como uma crina nunca cortada.

O caso era que Teresinha estava cansada. Cansada de ser luz, de ser sombra. Tentou, pouco a pouco, ir se desfazendo da rotina dos seus dias, mas ela parecia toda uma primeira pele, difícil de descarnar. Já não sabia ser cobra.

A pele então foi pesando, como se em cada um dos folículos tivessem cerzido um grão de chumbo.  Quem era o costureiro maldito? Teresinha não sabia. Procurava nas mãos dos outros, as marcas de agulhas. Procurava, como quem vistoria a casa depois de um assalto, por baixo das camas, nos armários, por trás das portas, em qualquer lugar, os vestígios desse artesanato medonho.

Teresinha ficou triste, muito triste, tão triste, como ela apenas sabia saber sem que ninguém soubesse.

Quando da última promoção, com os parabéns dos colegas do seu departamento, ouviu, de longe, - Teresinha é phoda, Teresinha deixou de sorrir. E resolveu phoder.

Teresinha foi numa casa de depilação, esfoliou o couro todo e com a ajuda da esteticista, tentou pinçar algumas gramas de chumbo. Saiu de lá se sentindo mais leve, apenas algumas gramas mais leve. Sabia que teria que phoder. Quando estava indo para casa, desejosa de ser despida, ouviu seu telefone tocar. Agora não, pensou, sentindo a urgência toda. Mas era seu tio. Teresinha o atendeu. Já tinha alguns dias que não o fazia. O tio, ao ser atendido, cantou, como sempre o ouvia cantar desde pequena, o Teresinha de Jesus. Na pressa de atende-lo e segurar as compras de sua nova lingerie púrpura, Teresinha foi ao chão. Caiu pesada, apesar de se sentir mais leve. A voz do tio se quebrou, espatifada igual ao aparelho.

Ao tentar se levantar, Teresinha recebeu ajuda. Era um antigo conhecido, um cavalheiro de tempos de outrora, que lhe ofereceu a mão. Teresinha aceitou. Das mãos, vieram poesias, segredos trocados, promessas, cochichos ao longe dos corpos. Músicas e vinhos, pensou Teresinha, pronta para phoder.

Teresinha assim aceitou um encontro. Seria perto da casa de um ou de outro. Não era o terceiro a quem Teresinha dava a mão, mas era o primeiro, há muito tempo, que as mãos pareciam macias e sabedoras do que fazer.

E assim, foi...  Pronta a dar seu coração. A dar seus seios.  A dar sua boca. A dar seus braços. A dar seus pés. Suas unhas. Seu suor. Suas orelhas. Seu cheiro. Sua bunda. Suas costas. Sua nuca. Sua boceta. Seu gozo.

Mas na hora da cama, o moço de mãos macias, não soube o que fazer com Teresinha. As mesmas mãos que a levantaram do chão, pareciam concreto ao pegar em seu corpo. Teresinha passou a noite. E de noite, ainda na cama, ficou lembrando da cantiga da Teresinha. Não daquela que tinha um pai e um irmão. Tampouco da cantada por Chico, ainda que essa a inspirasse.

Lembrou da música que ouvia quando era bailarina. Da Teresa que não era inha. Assim, levantou-se da cama, dizendo não quando o cavalheiro pediu que pernoitasse por lá, foi ao banheiro, banhou-se. Recolou a púrpura de sua roupa íntima e pensou sobre as costuras em seu corpo. Viu que sua pele era peso. Chumbo. E não desejou mais trocá-la.

Ah Teresinha, como você saiu bela de lá. Toda armadura. Sorriso frouxo. Enorme.

Enquanto Teresinha ia para casa, foi engolindo o mundo. Entre o que engoliu, sem medo, feliz pela pele que costurara, saiu phodendo com todos os cavalheiros e, quem sabe, com algumas damas, que esbarrara no seu caminho para casa. Chegou farta, comida, toda enterezada. Havia deixado o inha no banheiro do cavalheiro.





sexta-feira, 4 de julho de 2014

Tal como um orgasmo... (Jogos da Copa²)


O cuidado que tive com ela foi o mesmo de digitar aqui, medrosa que sou, de bagunçar a ortografia toda.

Mas esse conto não é sobre mim, quiça sobre ela, talvez, quem sabe sobre uma sensação, de alegria pura, júbilo, como se finalmente as cartas do baralho se alinhassem.

Nem foi o caso. Abri mão de muito para relatar o mínimo, tão máximo, apenas 2 X 1.

Para explicar a ela, macho que sou, falei das jogadas do futebol, falei do meio campo, do zagueiro, do que seria a trave... Ela apenas me olhou, como se estrangeira eu fosse. Mal tinha me espacializado, decalcado minhas terras todas, me vendo na situação de dizer para ela, logo para ela, o que era o gol.

Na ausência de palavras, disse – goze, como quem goza o bailarino. Ele ganha milhões; e ela, como quem indaga, por trás de todos os óculos, e você?

Sei lá o que ganho eu, não estou para jogo nenhum, apenas apostei minha vida. Apostei que poderia, apostei que o rinchadeiro todo não veria acrescido das misérias do sertão. Apostei que, naquele jogo, teria a eternidade pega entre os pés. E eu era apenas transeunte.

Mas era danada. E na danação, expliquei para ela. O jogo, imbecilizado, de pernas a correr atrás da bola, nada mais é do que o jogo da vida, daquele entremeado, em que você corre o corpo dela inteiro, horas depois, toda suada, e diz – bola na trave.

E a coisa lhe consome, lhe toma toda, como se 75 minutos fosse pouco e apenas lhe restasse a prorrogação.

De quem foi o gol? Que trave lhe abateu, poderíamos conversar se o jogo já fosse ganho, se eu soubesse em que lugar estavam as vírgulas, mas elas sempre foram um problema... uma vez corrido o texto, no mínimo três pontinhos... como se o aberto de tudo fosse o fechamento perfeito.

Nem foi o caso. A história da bola rolou horrores. Do que me é permitido falar, sorrio das associações com o acasalamento, riu como quem ri do riacho seco, daqueles de terra crestada, marcada pela presença e pela ausência. De quem faz da vida, uma copa, como se num momento apenas tivesse a verve e a verdade.

Mas choro junto, choro se pudesse fertilizar as terras todas. Se me fosse permitido, sertão meu, jamais veria a falta d água, o verde nos alcançaria e o gozo seu, e o meu, fertilizaria o mundo inteiro. E assim, toda copa, seria como nós duas na cama, eu e você, gozando juntas.