Era
assim, solta no mundo. Era tanta soltura, que não, nunca pensara em se apegar a
nada. Costumava olhar de longe, os apegos dos outros. Era na rua, era na
escola, era em casa, era consigo, sempre indo. Os pais sabiam, quando não
perguntavam, todas as filiações. E distantes, sempre estavam. Era assim,
totalmente, tolamente, enraizada.
Por
isso nunca estranhara, nunca estranhara a distância, nem o enviesamento que estava.
Não estranhara quando deu a primeira vez, sem emoção nenhuma, sem sangue, sem
hímen, sem vergonha, sem prazer. Estava tudo certo, como certo eram as contas
do mundo.
Detestava
as raízes todas e não por acaso tinha a insistência de arrancar as folhas por
onde as encontrava plantadas, tão arvoreadas. Via-se plena, quase sempre absoluta.
E um dia ela me viu, me viu, como se olhasse de lado, como se olhasse
desconfiada, como se nem acreditasse.
Olhando-me, assim de banda, sem nem acreditar decerto, como um vislumbre, totalmente,
tolamente ensimesmada, me puxou pra dançar, naquele buteco e me disse: - você tem
um cheiro bom, cheiro de vinho barato.
Eu
me senti bacana, fiz os rodeios todos, e baforei mais um tanto, incendiado que
estava. E a puxei pra dançar, enfiando os pés por entre as pernas dela, como se
pudesse controlar o ritmo das vontades.
As
pernas dela eram longas, fortes, daquelas acostumadas aos mil passinhos. Na sua
troncura, me segurei e pensei - que se danem todos os ritmos, as quero ao meu
derredor. Quero uma coroa de pernas para com elas me deitar e ser rei.
E,
olha só, ela nem sabia, mas eu já a via visto. Já tinha visto a veia azul dos
seus seios, como a mandar pra mim, de tão longe, o recado, aqui se soma a abundância
das terras que sabem ser férteis. E, sedento que estava, faminto até, me fiei,
como quem é enredado nas histórias das mil e uma noites, pensando apenas, com
você, nessa noite de fome, com tanta gula sentida, me farto de fastio.
Ela,
sem entender direito, me devolveu e soltando se foi... assombrando meus dias. E,
tolamente, fiquei, a senti-la tão absurdamente...