quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Tudo certo


Eu sempre senti assim no gogó. Vinha descendo, era vida demais pra mim e morria tanta gente. Do grupinho da escola que eu ia de vez em quando, poucos sobraram. Parece piada, véio, esse filme que a gente compra no terceiro. Boyzinho com cara de mau. Pra rir mesmo. Filme de ação é filme de piada pra negada. Veja o filho de Martinho, todo alvejado. Furado feito bolso de malandro. Num trisco, passaram as madames no carro, quase relando, e o cabra achava que ia dar tempo. Foi só dar um tiro no pé. Furamos ele todinho. Do pescoço até a coxa. Fui pra casa com medo, porra, o cara era sobrinho daquele tenente, aquele escroto da Rua Major, mas ninguém viu, e madame num para pra nada mesmo. Tudo certo.
Me lembro ainda daquele povo de São Paulo dizendo, vou lá, morar no interior, tranquilo, vida barata, tudo manso. Quem disse isso a quem? Que porra é essa? Tá certo que quando o negócio engrossava, eu saltava fora. Gostava era de puxar um fumo, brechar as negas passar, pegar o celular de um folgado. Mas queimava tudo, não sobrava nada. Não vou dizer que a coisa era fácil nessa época, eu tremia, vai que um filho da puta desse puxava um ferro. Sei não.
 E mais a mais, não sou frouxo não, quem nunca teve medo? Eu só queria fazer a minha, tá ligado? Sei lá porque Helinho invocou com aquela família, eles fugiram pra Bahia. Todo mundo sabe, esse tal de facebuk é do caralho. Falei pra gente ir lá, mas minha nega não deixa, tem ciúmes das moças da praia, puta merda.
Não vou ser gabola também não, porque gabolice é coisa de viado. Não vou dizer que quando pego a pistola acerto mais do que faço zuada. Mas isso era antes. Antes mesmo daquele doutor engomadinho que me diagnosticou, é mano, aprendi isso, sou um cara diagnosticado. Eu lá doido pra ir puxar um fumo e ele analisando meu pé. Disse que tinha transtorno de ansiedade. Que eu não era responsável. Que entendia meus problemas. Que sabia que eu não queria tomar remédio, mas que ia ser bom pra mim. Eu lá sei. Eu só queria ir pra rua, ia ter festa na cidade, Isabela ia tá lá e eu tinha dito que levava o rum, e o cara era macio feito moça mole, tinha até unha feita. Porra. Ele disse, vou te passar uma medicação, você vai conseguir gerenciar sua vida. Volte aqui com 16 dias para avaliar os efeitos.
Me deu uma caixa e disse: não tome com álcool porque pode dar efeitos colaterais. Enfiou um remédio no meu gogó abaixo. Fui pra casa, pequei bere, e fui pro pacode. Puta merda, a cerveja desceu que foi uma beleza. Isabela tava lá, toda gostosa, nego nem olhava pra perto, mas que lugar que não tem malandro?
Malandro que não respeita, só tem chumbo. Foi a primeira vez que acertei. O furo foi tão profissa, que me chamaram pra outro. E eu pensando, no outro dia, que tinha nascido pra isso. Deixei de pegar as bagas dos cara e curtia o respeito. Foi pedido pra todo lado. Chegava nos cantos, tinha moto, tinha carro, tinha um back, e eu só na minha, tranquilão, tomava dois tragos de Volúpia, o Rivotril do doutor, e fazia mira, brincando até, quem tem medo de nada porra.
Em 16 dias, eu fui o rei. Minha perna nem balançar, balançava. Gostei de mim tomando aquilo no gogó e o doutor disse que eu tava me recuperando. Eu era eu. E não tava nem aí. Se tivesse gogó, tava tudo certo. Era meu segredo. O Baga morreu. Meu nome é Gogó. É só discar, tamo na área.