Desde cedo aprendera a ser invisível. Brincava,
apenas consigo, de pirata, sendo um bando inteiro. Eram muitos os mundos a
saquear e desbravar. Para isso, inventou outro de si. Quando cansava da
brincadeira, virava um ciclope. Todas as potências, criava para si, corpo todo
fragilizado. Sua mãe trocava sua fralda, lavava sua intimidade, estendia sua
vida.
Desde cedo, sabia que seu corpo seria
sempre um corpo encarcerado. Via seus primos, irmãos e vizinhos brincarem ao
longe, com a trovoada de risos, arengas e correrias. Ele não podia. Mas todos
lhe diziam, não se entristeça, você é o melhor deles, foi o mais esperado, o
amamos tanto.
E assim, por entre a cama sempre de lençóis
animados e laqueada pelos aparelhos ortopédicos, se perdia em universos
paralelos. Acreditava que poderia viver de sonhos. Mas enquanto alguns
esperavam sua morte, seus sonhos caducaram e, ele mesmo, também desejou transcender.
Sua rotina, desconcertada pelo uso dos dias, lhe causava furores. E ele quente,
já não era Zeus, Thor, nem tampouco Wolverine. Desinteressou-se pelo mundo, pela
linguagem, pelo sonho. E assim, tão triste, ele viu sua face despontar em pêlos.
Os banhos, deixaram de ser alegres encontros com sua banheira dos barquinhos, passaram
a ser constrangidas vivências com um outro que despontava tal como aquela
indesejada abundância de quereres estranhos.
Não sonhava mais com o som que lhe
fora roubado da algazarra das ruas e dos caminhantes, mais se revolvia com seus
acontecimentos internos. Os familiares, nas ocasiões dos calendários festivos,
diziam, como cresceu esse rapazinho. E na inquietude dele, sabia que seu
crescimento, que lhe era um lugar tão incômodo, o era mais para os outros. No seu
alcance, se rebelou, em meio a tantos hormônios e afastava, bruscamente, o que
lhe era ofertado, já não queria o cheiro da alfazema, não queria o colorido das
estampas dos pijamas. Percebia como triste ficava sua mãe, querendo que ele
ainda não crescesse não, que ainda tivesse medo do bicho papão e lhe chamasse
nas noites de trovoadas.
Depois, ele experimentou, a resignação. E
também esperou pela data já passada, pois já queria partir. Não sabia
exatamente o porquê de sua vinda, mas sentira que fora finalmente liberto daquela prisão tão carcomida.
Quando sua presença já era lamentada
como ausência, ele não soube, mais no seu ritual de despedida, sua mãe
desolada, tonta como uma embriagada, em meio aos soluços, lembrou aos presentes que, comiserados estavam, nunca amou tanto, porque quando o seu filho,
embalado pelas estórias que lhe contava, perguntava sempre, mamãe por que eu
pergunto tanto porquê, ela feliz retrucava, ainda que dolorida, que a vida,
tão distraída, tinha seus mistérios e que as perguntas eram preciosas, porque
desconfiava dos destinos e respondia quem era quem. Ele, na sua pequenice, tão
servil, tão rebelde, tão cárcere de si, ainda inquiria, quem eu sou mamãe, e
ela, banhada em faces, recordou que disse, você é aquele que me ensinou o
sentido do amor. E isso é tudo, é mais do que saberia sozinha.
Ps. Que saudades de Babá...